segunda-feira, 7 de março de 2011

ANDE SOBRE AS ÁGUAS.

PARTE I. “Na montanha com Cristo
          
E tudo começou quando Jesus alquebrado por constatar a vileza arraigada no homem; e embora ligeiramente fatigado ao antever, o quanto que ainda teria que fazer exercer na sua labuta aqui na terra para trazer aos seus habitantes uma nova e radiante oportunidade de remissão de todas suas fraquezas, subiu em um barco e costeando as margens do mar da Galiléia, procurava um lugar onde pudesse estar a sós com o Pai celeste, em um diálogo de intimidade suprema. 
Quem sabe estaria naquele momento com todo o peso da humanidade sobre seus ombros! Carecia e muito então, dividir esse peso nefasto com alguém de sua inteira confiança e conhecimento. E foi assim, navegando para em seguida caminhar buscando um cantinho reservado para essa reunião santa e prazerosa; ledo engano. Descobriu não estar só. Continuava sendo seguido por um grande número de pessoas.
As mazelas daquele mundo o seguiam igualzinho a elementos ferrosos atraídos por um imã. Assim era que um grupo bastante numeroso de pessoas, acompanhavam atentos os movimentos do barquinho, buscando estar exatamente bem junto dele quando ancorasse em uma praia qualquer.
E assim foi que, retornando Jesus à terra firme viu-se cercado pela multidão carente. Absolutamente necessitada de tudo. No peito de cada pessoa alí, estava posto um vazio incontido que precisava ser preenchido com esperança, e mais, queriam poder achar credibilidade em algo a mais do que o comum que os cercava. Necessitavam na verdade encontrar um motivo para ter fé. A mesma fé que bem sabiam, poderia transformar suas vidas vazias e desprovidas de qualquer espectativa de melhora, tanto social quanto espiritual. Suas enfermidades os compungiam a buscar mais que uma cura física, os impulsionava a buscarem o verdadeiro Messias anunciado pelo profeta Isaias. Careciam e muito de Jesus Cristo. E O buscavam.
Grandes acontecimentos se fez naquele lugar então. Parecia ter os céus com seus anjos e potestades escolhido tal cantinho para uma “Festa de Milagres”. E com certeza foram momentos radiantes!
Posso antever homens, mulheres ou mesmo crianças, desprovidos da visão desde o nascimento, tendo as mãos milagrosas de Cristo acariciando seus rostos sofridos e, repentinamente, vislumbrando um mundo cheio de luz em profusão.
Ficavam até momentaneamente sem definirem imagens corretamente pois, o excesso de claridade os faziam cobrir os olhos com as mãos, assustados com a dor repentina gerada pela luz que se infiltrava vorazmente olhos à dentro, por ter encontrado 
subitamente, a íris descuidadamente aberta.
Entretanto, o organismo imediatamente fazia a correção,
bloqueando a abundância de luz e  trazendo alívio físico às mentes assustadas, para logo em seguida cada uma daquelas vidas sofridas pela longa estada na escuridão, definirem formas e cores, entrando então definitivamente naquele mundo do qual estavam separados por um descuido da natureza.
A “festa” continuava, não havia espaço para descanso daquele em quem a plenitude do Espírito de Deus abundava. Já agora, um coxo choramingando por uma bênção em sua vida, clamava ao Filho do Homem pela sua misericórdia para que o fizesse andar. E logo em seguida andando trôpego pela falta de firmeza em suas pernas,  seguia com um misto de medo e surpresa no rosto; convicto de onde viera o milagre em sua vida, apontava em direção a Jesus.
De milagre em milagre, a multidão ia se desfazendo de seus males físicos e, concomitantemente, firmando-se em uma fé nunca dantes vista ou sentida nos seus corações sofridos, almas iam se salvando pelo simples exercício de passarem a crer que alí estava o Messias. Verdadeiramente não se apercebiam de que o maior milagre se operava dentro de seus corações, ao brotar em cada um então, a verdadeira fé. A fé que salva, redime e purifica o homem do pecado, trazendo-o de volta para perto do Deus vivo de onde provém o único socorro.
A labuta de Cristo continuava pelo dia a fora. A certa altura, intervieram seus discípulos trazendo, o que? Dúvidas, no que eram pródigos!
No final daquele dia, quase cinco mil homens (sem que se contassem mulheres e crianças), se acotovelavam para ouvir, sentirem a presença do Mestre e serem curados. Entretanto, a preocupação maior dos “alunos” era justamente com a alimentação de tão grande multidão. Por isso, sugeriram a Jesus que dispensasse a multidão, para que fossem buscar o alimento onde encontrassem. Chegara a hora de Jesus operar também um milagre na vida de cada um dos que compunham o seu grupo de seguidores mais próximos.
Foi quando respondeu: - Dai-lhes de comer!
Que absurdo estava ocorrendo ali? Devem ter pensado alguns dos discípulos. Quem sabe o apóstolo Pedro, imediatamente se
exasperou e tentado mostrar ao Mestre essa impossibilidade, visto que tinham em seu poder, somente cinco pães e dois peixinhos. Isso mal daria para alimentar o seu próprio grupo!
Certamente fraquejaram naquele momento! Quem havia a pouco curado de maneira fantástica a centenas de enfermos, certamente deveria gozar de uma credulidade maior por parte dos seus. Duvidaram do próprio Mestre que já a algum tempo os instruía nos caminhos da fé.
Com a sua usual paciência lhes disse: - Trazei-mos.
Diante de um grupo estupefato de discípulos, ordenou que a multidão de sentasse sobre a relva para em seguida, tomar nas mãos aqueles elementos; e erguendo-os em direção aos céus,  abençoou-os e ordenou que os distribuíssem fartamente dentro de cestos. Como se esse poderoso milagre realizado não bastasse, Cristo permitiu, como para sintetizar a abastança que deveria cada um ter na sua fé, que sobrassem 12 cestos repletos de alimento.
Somados todos os acontecimentos daquele dia, a multidão em júbilo, mas também em polvorosa, buscava levar consigo a Jesus Cristo e coroá-lo rei. Fica claro que nem todos ali haviam compreendido tudo que viram e ouviram no sopé daquela montanha que abrigara tamanha multidão naquele dia. 
Dispensando a todos, ordenou em seguida para que seus discípulos entrassem num barco e atravessassem o mar da Galiléia e fossem para Genezaré. Retirou-se sozinho para orar.
Hoje, à luz de uma atenta observação imparcial, nota-se que durante todo o Sermão da Montanha registrado no livro de Mateus, não ocorreu qualquer interferência dos discípulos, exceto aquela no final do dia. Ao final de tudo, antes de se retirar para orar, parece-nos que Jesus tinha em mente, uma grande lição para aplicar aos seus seguidores, como que para complementar o que haviam presenciado naquele dia de grandes ensinamentos. Eles particularmente, careciam de mais aplicações práticas de ensinamentos, pois, o mestre havia constatado que após tudo, ainda ousaram duvidar. 
Por quais prodígios deveriam ainda passar ou presenciar, para terem em sí a plena convicção de uma fé inabalável em seu Salvador? Quem sabe ainda seria necessário andar descalço sobre brasas ardentes ou então, caminhar sobre águas revoltas?
Seus discípulos já estavam à beira-mar, desatracando o barco e soltando as velas que ao sabor do vento enfunavam-se, aplicando um suave movimento de tração à embarcação que aprumava seu curso para alcançar a outra margem, em busca da localidade a qual o Mestre lhes havia ordenado que fossem.
Finalzinho de um dia glorioso. Jesus, agora sozinho, subia sem pressa um breve aclive da montanha, procurando um abrigo natural na encosta para se isolar de tudo e de todos. Já alcançara aproximadamente 50 metros de uma escalada suave e prazerosa, quando satisfeito com o recanto encontrado, voltou-se para olhar a visão privilegiada que aquela altitude lhe proporcionava. 
Ao sul, contemplou vastas campinas de um verde muito claro, manchadas ocasionalmente por oliveiras  em flor e riachos de um prata cintilante, serpenteando em direção ao mar.
Agora, com a mão  sobre os olhos, protegendo-os da claridade que vinha diretamente da outra margem do grande lago, há de ter ficado extasiado com a beleza indescritível que o seu posto de observação lhe assegurava. O ocaso de um belo dia, maculava o céu de um rubor incandescente. Era o sol, que em desespero por estar sendo vencido paulatinamente pela noite, lançava seus últimos raios de luz avermelhando a imensidão da abóboda celeste, ou então quem sabe,  reconhecendo  a magnitude de seu criador a observá-lo. Seus últimos esforços eram justamente para honrá-lo, espraiando um imenso tapete vermelho,  na esperança de que o Senhor aceitasse o seu convite e ascendesse passo à passo a sua morada celeste.
No crepúsculo vespertino, (a esse período da noite os gregos davam o nome de né-shef) quase não havia mais luz, quando Ele estreitou seus olhos em direção às águas e viu um pontinho branco perdido na imensidão, já alcançando uma distância de muitos estádios* da terra firme. Era o barco dos discípulos. 

*Um estádio (do grego stá-di-on), medida linear equivalente a ¹/8 de milha romana; a milha romana equivale a 1.479,5mt. Um estádio olímpico grego, media exatamente 192 metros.

E eu, de onde estou, exatamente a vinte e um séculos depois desses acontecimentos, tenho a nítida impressão de haver notado naquele momento um leve sorriso nos cantos dos lábio do Senhor. 
Dando as costas para o que já se tornara um manto negro, olhou em volta, ajoelhou-se e talvez nem tenha notado a saudação reverente  dos primeiros luminares da noite, que cercavam orgulhosos a lua, dando-lhe um manto de estrelas reluzentes. E esta, esperava ansiosa pela sua vez de iluminar com a sua luz emprestada, a pessoa do criador de todo o universo.
Orar, é o sublime exercício de falar com Deus. 
Na imensidão do lugar onde Cristo se prostrara para falar com o Pai, muito pouco esforço é necessário de nossa parte para antevermos as miríades de anjos enchendo o espaço, fazendo companhia ao seu Senhor. Lá pela quarta vigília* da noite, Jesus sabia em seu coração, exatamente o que se passava com os seus em meio ao mar, agora revolto.
*(Na época do domínio romano, os judeus adotaram a prática grega e romana concernente as divisões do período da noite. Jesus referia-se à elas quando alertou seu povo para estarem vigilantes em Mateus 13:35. A primeira vigília ia do pôr-do-sol até às 21,00 horas. A segunda vigília ia das 21:00 horas até a meia noite. A terceira vigília se estendia da meia noite às 03:00 horas. A quarta vigília se alongava até o nascer do sol.)
Levantando-se olhou em direção ao Mar da Galiléia. 
Novamente, percebo ter ocorrido naquele momento um quase
imperceptível sorriso nos lábios do Senhor. Uma expressão assim como quem sabe de tudo que está acontecendo, emoldurada por um semblante de paz.
A visão que se descortinava adiante era dantesca. Pesadas nuvens negras despejavam uma chuva torrencial sobre aquelas águas. Somente era possível divisar algo naquela revolta da natureza, quando relâmpagos partiam do alto rasgando o espaço até quase tocar na água, clareando momentaneamente o que houvesse ao redor. Ondas de vário metros erguiam-se desafiando qualquer
embarcação que por ventura se aventurasse em seus domínios. Era certo, mesmo para um espectador leigo, que a pequena embarcação, a mesma com aqueles homenzinhos mais corajosos do que ardorosos em sua fé, já haveria soçobrado, fustigada pelo vento impiedoso.



TEXTO BASE: MATEUS 14:13-21; 22-33.